que, de tolo, até pensei que fosse minha

terça-feira, 17 de novembro de 2009

como a vida pode ser tão cíclica?
isso é mais ou menos de um ano atrás.

Eu quase me esqueci daquele olhar que você lançou pra mim naquele dia. Aquele, num dos primeiros dias depois que a gente ficou pela primeira vez. Foi numa aula do Pedro. E acho que foi um dos olhares mais profundos que eu já recebi na minha vida, foi tão longo e tão expressivo. É até difícil de lembrar. Mas, de fato, eu havia me esquecido daquele olhar. Foi tão dúbio e, ao mesmo tempo, tão claro, tão preciso. Por um momento eu quase sabia o que você estava querendo me dizer. Havia um certo pesar na sua expressão, mas um quê de paixão, um quê de encantamento. Você me ganhou pelo olhar. Não exatamente aquele olhar em particular, mas o SEU JEITO de olhar as pessoas. Você as observa como nunca foram observadas antes. Você as desnuda, como estivesse a extrair delas algo que nem mesmo sabiam ter dentro de si. É um mal (?) de escorpianinos. Esse olhar profundo e quase obsceno, mas com graça,com classe, e cheio de princípios(primordialmente). CHEIO de princípios. Você realmente olha e vê as pessoas, como nunca foram olhadas e como nunca foram vistas antes. E há em você um quê de uma infantilidade doce e ingênua, livre de culpa ou julgamentos, uma espontaneidade pra fazer as coisas que você já fez tantas vezes antes, mas que lhe confere um brilho no olhar de primeira vez, uma felicidade clandestina que se instala no ar cada vez que você sorri. É como se o ar esquentasse, e tudo ficasse mais cheio de luz, essa alma radiante contagia os que estão ao seu redor. Não é à toa que você está sempre tão cercado de pessoas. E tem a boca mais rosada e mais bem desenhada que já tive diante de meus olhos, e os movimentos da mesma mais compassados que já tive em cadência com os meus. E o nariz, há um quê de um Picasso nele, algo que definitivamente deve ser observado uma segunda vez,com mais atenção. E todo o corpo, tão esguio e tão bem delineado, nenhuma forma foge ao contorno da sua silhueta. Não há nada que sobre , tampouco nada que falte: nem um só osso à vista. Você é uma vontade de ouvir Beatles, Pixinguinha, Caetano, samba e rock and roll , e de condensá-los numa só pessoa, e uma vontade desesperadora de morder um pêssego fundo, até que seu suco comece a me escorrer pelo queixo. Uma vontade imensa de tragar o cigarro até que ele seja apenas filtro, e de soltar essa fumaça espessa e densa no ar,que paire sobre os presentes como uma névoa de libido sufocante.É uma vontade de morder cada pedaço dos seus braços,e de tê-los com um carinho a encostar nos meus braços, macios como a pele do pêssego que você dá vontade de morder. Mas principalmente, mãos de dedos longos e finos, passíveis de um pianista, a articularem-se com toda a elegância que se imagina ser possível, e cabelos tão castanhos que quase cheiram a noz. Um cheiro absolutamente inconfundível, que se propaga no ar, feito uma mistura de um odor ocre de gripe com madeira da casa da minha avó, de modo a me fazer querer enterrar o rosto contra seu peito e não sair nunca mais de lá. Mas eu vou ter que sair. Infelizmente, não mais posso me negligenciar dessa forma. Eu amo você, amo você sozinha, sem nem ao menos saber bem o quê você pensaria disso, mas eu prefiro não saber. Vou sair de férias e beber com pessoas antes desconhecidas, e vou tentar olhá-las com os olhos profundos e generosos do olhar que você lançou pra mim. Acho que vai ser um jeito de levar você comigo. É aquele olhar,daquela foto com o cigarro, é aquele olhar profundo, eu vou levá-lo comigo, no fundo da retina, impresso como um resquício de uma imagem que você acabou de enxergar e apertou os olhos com força, a fim de não mais perdê-la, e ela ainda continua lá por alguns segundos,mas quando você havia começado a reparar nos detalhes, ela desaparece, como um sonho quando se acorda, e você lembra dela em linhas gerais,mas não tem mais certeza se ela fora real. E vou dormir em camas em que antes nunca me deitei,e acordar com pessoas estranhas e alheias a meu redor, e vou trabalhar,e irei à Lapa e esquecerei que um dia sequer conheci você. E a brisa do Rio de Janeiro vai me trazer um pouquinho do que você também estiver vendo, em algum outro braço do oceano; mas talvez eu nem me lembre, se tudo der certo, eu não vou me lembrar. Vou apenas fechar os meus olhos e sentir que existe em mim alguma coisa qualquer que ainda é chaga, alguma coisinha lá no fundo que ainda falta, ainda dói e ainda é chama, mas eu já nem vou mais saber bem do que se trata. E vou voltar e vou lembrar, que a minha vida não se dá sem você, que você faz parte dela, voluntária ou involuntariamente por pelo menos mais três anos. E vou te ver falar das férias e saber das mulheres sérias que você reviu lá na sua terra, e lembrar que no futuro hei então de encontrar-te em um supermercado qualquer a fazer compras, com esposa, juízo e filhos, e recordar que um dia, num passado longínquo, estive presente no seu presente, que agora não passa de passado, e imaginei que olhar seria esse que você lançaria sobre esses filhos, que agora você segura e cuida, e que nada têm de mim, porque a mim não mesmo pertencem. E esse momento vai ser muito triste. Mas talvez isso nunca aconteça. Talvez nós simplesmente nos separemos, e a vida continue e eu me esqueça e você se esqueça. E talvez algum dia eu encontre alguma outra pessoa com um brilho tão profundo assim no olhar, e me lembre que alguém já me olhou assim antes. "Não mais me sinto tão nua perante esses olhos". E, se você puder, eu gostaria então que você retirasse os seus livros da minha estante, pra que eu pudesse, novamente, empilhar ali os meus. Eram tantos títulos que eu já nem me lembro mais qual eu ia ler. Raquel Schaedler

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